Quando completei 39 semanas do barrigão, o Guido resolveu que queria sair. Despertei de um sonho muito maluco às 4h30 da manhã sentindo uma dor diferente. Eu sabia que já era o trabalho de parto pois as contrações vinham de 20 em 20 min. Fiquei super empolgada!
Nem pensei em acordar o Gê aquela hora da madruga. Fiquei andando pela casa, rindo sozinha, curtindo aquelas contrações como a sensação mais mágica dos últimos 9 meses! Esperei o dia amanhacer e lá pelas 8h liguei pra Betina que recomendou que eu descansasse um pouco (quem disse que era possível descansar naquela euforia?!).
O Gê acordou e eu disse que o Guido tinha escolhido aquele dia pra nascer. Ele saltou da cama, colocou as lentes de contato e se pôs a fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Foi engraçado! Fez o café da manhã, se vestiu, saiu na rua, voltou com flores, incenso, velas e CDs de mantras indianos. Depois foi até o posto da esquina e encheu de ar a piscininha de plástico para deixar no chuveiro. Eu ria muito do jeito confuso e atencioso dele demonstrar apoio naquele momento, mas as contrações estavam aumentando e no final da tarde a coisa já estava ficando séria, com contrações de 5 em 5 minutos.
Liguei de novo pra Betina lá pelas 17h e ela veio de vez para “montar acampamento” aqui em casa. Aí começou pra valer o trabalho, que não é só um processo físico mas altamente energético e que exigiu de mim literalmente todas as forças que eu tivesse pra somar. A cada contração, eu respirava de um modo diferente. Fui usando tudo o que eu tinha aprendido a vida toda nas aulas de voz do teatro, no kung fu, na yoga, na ginástica holística.
Betina me apoiava com massagem, com conversa, com sua presença discreta e precisa. E eu andava pala casa toda, procurando uma posição confortável e não tinha outra senão em pé mesmo ou apoiada no vaso do banheiro, literalmente "meu trono". Eu procurava respirar concentrada, soltando a voz em notas musicais. Eu só sei que comecei cantando como uma fada e lá pelas tantas da madrugada eu estava uivando como uma loba e cantando em línguas primitivas. Essa foi outra parte engraçada! Engraçado agora porque na hora, a energia das contrações me faziam rir e chorar ao mesmo tempo, como se tivesse perdido o controle de todas as minhas certezas. E tinha perdido mesmo! Acho mesmo que entrei em um estado sutil de consciência.
Existe uma diferença fundamental entre um parto ativo e um procedimento médico impessoal. Parir é um processo de depuração intenso. Entendi que eu tinha que fazer aquilo acreditando plenamente em mim e apesar dos meus medos. E o medo maior é o de morrer um pouco, metaforicamente falando. Para nascer o filho tem que nascer a mãe também. E eu senti que tinha que tirar de dentro, uma outra de mim mesma. Nova e pronta pra ser mãe.
Enquanto isso, na barriga, Guido estava super bem. Batimentos cardíacos normais e tranquilão dentro da bolsa de água que não tinha estourado ainda. Mas a parte complicada é que ele não encaixava no meu quadril (estava alto na bacia), o que estava dificultando um pouco o processo, apesar de eu estar com dilatação completa.
Acho que o medo que eu sentia lá no fundinho é que não deixava o processo se desenrolar ali no final do trabalho. Devo ter retido no fundo do meu inconsciente as palavras que me diziam incapaz de parir um bebê “grande demais”. Eu tinha, inconscientemente, um pavor enrustido que o bebê “entalasse” na saída.
Conclusão. Tudo ia muito bem, mas as contrações começaram a ir embora, como uma recusa inconsciente do meu corpo. Quando percebi que era eu e somente eu quem poderia consentir que o Guido nascesse e que a vida dele estava ali dependendo totalmente de mim, reuni toda a energia possível, segurei bem forte a mão firme do Gê e, sentada no banquinho do parto, empurrei ele pra fora segundo o que a minha intuição mandava. Esqueci toda a técnica! Eu sabia o que tinha que ser feito!
Nessa hora percebi a importância de não ter sido anestesiada, porque pude sentir palmo a palmo a passagem dele pelos ossos da bacia. Foi nesse momento que ele finalmente encaixou e veio mostrando o “periscópio da cabecinha”, para usar as palavras do Gê.
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